Com formação acadêmica, flexibilidade de horário e valorização profissional, mulher brasileira vira jogo e já ganha mais que homem em 224 ocupações no país

Com formação acadêmica, flexibilidade de horário e valorização profissional, mulher brasileira vira jogo e já ganha mais que homem em 224 ocupações no país

Por Edmilson Pereira - em 3 anos atrás 530

Mulheres brasileiras com ensino superior completo ganhavam mais do que seus pares homens em 479 de um total de 2.138 ocupações com carteira assinada em 2019, o equivalente a 20% do total.  Esse quadro revela uma desigualdade ainda grande. Mas, em 224  carreiras nas quais os salários femininos ultrapassam os masculinos, a condição atual representa uma reversão em relação a uma década atrás.

Homens empregados como médicos oncologistas, músicos intérpretes instrumentistas, docentes na área de direito e professores de cursos livres ganhavam mais que as mulheres nessas mesmas ocupações em 010.

Em 2019, último ano para o qual há dados oficiais disponíveis, essas carreiras integravam a pequena lista das profissões nas quais as remunerações femininas, em média, superavam as masculinas, mesmo que por margem pequena.

Pesquisadores que estudam o desequilíbrio de gênero no mercado de trabalho —como a economista americana Claudia Goldin— buscam entender as razões pelas quais as desvantagens das mulheres ainda são enormes em alguns setores, mas desapareceram em  outros.

Essa busca por pistas se tornou ainda mais importante desde a eclosão da pandemia, que tem causado um retrocesso na tendência das últimas décadas de diminuição gradual da iniquidade de gênero.

A Folha conversou com profissionais de ocupações em que as mulheres ganharam terreno em relação aos homens no período anterior à atual crise da Covid-19.

Segundo elas, o uso de critérios técnicos que valorizem a formação educacional é um dos fatores que ajudam a explicar maior equidade em suas áreas.

“Mulheres, em geral, estudam mais do que homens. Então, critérios técnicos favorecem a mulher em algumas áreas”, diz Cristiane de Lima Ferrari.

A advogada, de 42 anos, cita sua própria experiência como exemplo. Depois da graduação em direito, ela concluiu especialização, mestrado e doutorado. Ferrari lecionou por dez anos na Unip. Hoje, é professora convidada da pós-graduação da Excelsu Educacional e da  Universidade de Taubaté.

“No meio acadêmico, não sinto diferença de tratamento entre homens e mulheres. Mas, no mundo corporativo da advocacia, o desequilíbrio ainda é enorme”, afirma.

A também advogada Juliana Abrusio, 42, concorda que a busca por maior qualificação vem abrindo espaço para as mulheres. Ela também tem mestrado e doutorado.

Abrusio trabalhou por quase 20 anos no escritório Opice Blum, pioneiro na área do direito digital no Brasil, do qual era sócia, quando decidiu se desligar em 2020 para se dedicar mais à academia.

“Quando comecei a lecionar, em 2003, havia uma distribuição meio a meio entre mulheres e homens na graduação. Hoje, vejo muito mais mulheres do que homens nas aulas.”

“Muitas delas seguem estudando. Tenho muito mais colegas professoras mulheres hoje do que quando comecei”, diz a advogada, que é professora e coordenadora da área de inovação e tecnologia na Universidade Mackenzie.

Em 2010, mulheres e homens representavam, respectivamente, 29% e 71% dos professores universitários de direito com doutorado, contratados com carteira assinada. Em 2019, esses percentuais mudaram para 34% e 66%.

Para a médica oncologista Mariana Monteiro, 33, a valorização da formação também explica o panorama salarial em sua área.

“Na oncologia, entre a graduação e a especialização, são 11 anos. Todo esse tempo de estudo é suficiente para demonstrar uma capacidade que se reflete nos salários.”

Pesquisadora do Instituto COI, dedicado a estudos sobre o câncer, Monteiro ressalta ainda que a necessidade de empatia entre médico e paciente —especialmente na oncologia— também pode favorecer as mulheres.

“A mulher, por uma questão cultural, é mais empática.”

A característica também foi citada por Abrusio em relação à docência: “Lecionar é cuidar de alguém, da sua aprendizagem, e o cuidar costuma ter muito significado para a mulher”.

A flexibilidade de horários é outra possível explicação, segundo as profissionais da área.

Estudos de Goldin nos EUA indicam que a equidade de gênero é maior em setores nos quais jornadas flexíveis não impactam a remuneração por hora. Segundo ela, isso ocorre na área farmacêutica graças ao avanço tecnológico, que permite que o trabalho iniciado por  um profissional possa ser continuado por um outro.

Mas isso ainda não ocorre em segmentos que oferecem salários muito mais altos, como o setor financeiro e a advocacia.

“O problema é que muitos empregos pagam muito mais por hora quando o trabalho é mais longo ou imprevisível”, disse a professora da Universidade Harvard em 2019.

Como o tempo e a energia gastos nesse esquema afetam os compromissos de família, as mulheres —que dedicam mais horas à vida doméstica— acabam sendo prejudicadas. Com isso, ganham menos por hora ou, mesmo com alta remuneração, acabam desistindo.

“A verdade é que, na advocacia, o mercado não deseja mulheres com filhos, mas mulheres o mais parecidas possível com os homens”, diz Ferrari.

Esse foi um dos motivos que a levaram a fundar seu próprio escritório feminino, com uma sócia, em São José dos Campos.

A busca por mais horas livres com a família foi outra razão que levou Abrusio a sair do escritório do qual era sócia.

Mesmo na academia, no entanto, as mulheres enfrentam barreiras. Para muitas profissionais, a maternidade coincide com o momento em que a dedicação à pesquisa culminaria na publicação de estudos de maior impacto.

“Como a mulher dedica mais tempo à família, sua produção acadêmica acaba afetada. Temos visto isso muito claramente na pandemia”, diz Abrusio.

Para as profissionais ouvidas pela Folha, o desequilíbrio de gênero no mercado não diminuirá de forma mais significativa enquanto instituições, empresas e a sociedade não abraçarem essa causa.

Na avaliação de Monteiro, a maior equidade de gênero na oncologia se deve, em parte, justamente à maior conscientização em relação a esse tema. Ela cita o fato de a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, fundada em 1981, ser presidida, hoje, por uma mulher, a  médica Clarissa Mathias.

“É apenas a segunda vez, na história da associação, que isso ocorre”, diz. Em fevereiro, a entidade criou um comitê que buscará fomentar mais lideranças femininas na área.

Para Brisa Fregonesi, monitora de educação profissional e professora de cursos livres no Senac, a preocupação explícita da entidade com o equilíbrio de gênero contribui para uma maior equidade entre profissionais homens e mulheres em seu trabalho.

“No Senac, há frentes que trabalham a diversidade”, diz a profissional, que tem mestrado e doutorado em Biologia.

Para a cantora instrumentista e produtora musical Nilze Carvalho, a existência de modelos de sucesso femininos em sua área ajuda a explicar a proximidade salarial entre homens e mulheres. “Temos artistas como Ivete Sangalo, que vão lá e determinam seu próprio cachê.

Isso é muito positivo para as mulheres, puxa a média para cima”, diz.

Embora não perceba discriminação por gênero, a cantora afirma que não pode dizer o mesmo em relação ao preconceito racial.

“Mas escolhi não ligar para isso, simplesmente não dou bola”, disse Nilze à Folha, durante a gravação do festival Afrodisia, que irá ao ar no YouTube entre 19 e 21 de março.

Fonte: Paraíba Notícia com informações da Folha de São Paulo