
‘Podridão cerebral’: como a IA e as redes sociais estão contribuindo para o declínio cognitivo?
Por Edmilson Pereira - Em 3 semanas atrás 827
No primeiro semestre, Shiri Melumad, professora da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, deu a um grupo de 250 pessoas uma tarefa simples de redação: compartilhar conselhos com um amigo sobre como levar um estilo de vida mais saudável. Para dar dicas, alguns puderam usar a pesquisa tradicional do Google, enquanto outros puderam contar apenas com resumos de informações gerados automaticamente pela inteligência artificial (IA) do Google.
As pessoas que usaram resumos gerados por IA escreveram conselhos genéricos, óbvios e em grande parte inúteis — coma alimentos saudáveis, mantenha-se hidratado e durma bastante! As pessoas que encontraram informações com uma pesquisa tradicional no Google compartilharam conselhos mais sutis sobre como se concentrar nos vários pilares do bem-estar, incluindo saúde física, mental e emocional.
A indústria de tecnologia nos diz que os chatbots e as novas ferramentas de pesquisa de IA irão impulsionar a maneira como aprendemos e prosperamos, e que qualquer pessoa que ignore a tecnologia corre o risco de ficar para trás. Mas o experimento de Melumad, assim como outros estudos acadêmicos publicados até agora sobre os efeitos da IA no cérebro, descobriu que as pessoas que dependem muito de chatbots e ferramentas de pesquisa com IA para tarefas como escrever textos e realizar pesquisas geralmente têm um desempenho pior do que as pessoas que não os utilizam.
“Para ser sincera, estou bastante assustada”, diz Melumad. “Estou preocupada com o fato de os jovens não saberem como fazer uma pesquisa tradicional no Google.”
Bem-vindo à era da “podridão cerebral”, gíria usada para descrever a deterioração do estado mental causada pelo contato com conteúdo de baixa qualidade na internet. Quando a Oxford University Press, editora do Oxford English Dictionary, elegeu “brain rot” (podridão cerebral) como a palavra do ano em 2024, a definição se referia à como aplicativos de mídia social, como TikTok e Instagram, viciaram as pessoas em vídeos curtos, transformando seus cérebros em mingau.
Se a tecnologia torna as pessoas mais burras é uma questão tão antiga quanto a própria tecnologia. Sócrates culpou a invenção da escrita por enfraquecer a memória humana. Recentemente, em 2008, muitos anos antes da chegada dos resumos da web gerados por IA, a revista The Atlantic publicou um ensaio intitulado “O Google está nos tornando burros?”. Essas preocupações acabaram sendo exageradas.
Mas a crescente desconfiança da academia em relação ao impacto da IA na aprendizagem (além das preocupações mais antigas sobre a natureza distrativa dos aplicativos de mídia social) é uma notícia preocupante para os EUA, um país cujo desempenho em compreensão de leitura já está em declínio acentuado.
Neste ano, as notas em leitura entre crianças, incluindo alunos do oitavo ano e do último ano do ensino médio, atingiram novos mínimos. Os resultados, coletados pela Avaliação Nacional do Progresso Educacional, há muito considerada o exame mais confiável dos EUA, foram os primeiros desse tipo a serem publicados desde que a pandemia da covid-19 interrompeu a educação e aumentou o tempo de tela entre os jovens.
Os pesquisadores temem que haja cada vez mais evidências de uma forte ligação entre o baixo desempenho cognitivo e a inteligência artificial e as redes sociais. Além de estudos recentes que descobriram uma correlação entre o uso de ferramentas de inteligência artificial e o declínio cognitivo, um novo estudo liderado por pediatras descobriu que o uso das redes sociais estava associado a um desempenho inferior entre crianças que faziam testes de leitura, memória e linguagem.
Aqui está um resumo das pesquisas realizadas até agora e como usar a IA de uma forma que estimule — em vez de prejudicar — o cérebro.
Quando escrevemos com o ChatGPT, estamos realmente escrevendo?
O estudo mais importante deste ano sobre os efeitos da IA no cérebro foi realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde pesquisadores procuraram entender como ferramentas como o ChatGPT, da OpenAI, poderiam afetar a forma como as pessoas escrevem. O estudo, que envolveu 54 estudantes universitários, teve uma amostra pequena, mas os resultados levantaram questões importantes sobre se a IA poderia prejudicar a capacidade de aprendizagem das pessoas.
Para parte do estudo, os estudantes foram solicitados a escrever uma redação de 500 a mil palavras e foram divididos em diferentes grupos: um grupo podia escrever com a ajuda do ChatGPT, um segundo grupo podia pesquisar informações apenas com uma pesquisa tradicional no Google e, um terceiro grupo, podia contar apenas com seus cérebros para compor sua tarefa.
As redes sociais podem estar associadas a notas mais baixas em leitura
Nos últimos dois anos, escolas em estados como Nova York, Indiana, Louisiana e Flórida correram para proibir celulares nas salas de aula, alegando preocupações de que os alunos estivessem se distraindo com aplicativos de redes sociais como TikTok e Instagram. Dando credibilidade às proibições, um estudo publicado no mês passado descobriu uma forte ligação entre o uso das redes sociais e um desempenho cognitivo mais fraco.
No mês passado, a revista médica JAMA publicou um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia, em São Francisco. O Dr. Jason Nagata, pediatra que liderou o estudo, e seus colegas analisaram dados do ABCD (Adolescent Brain Cognitive Development, Desenvolvimento Cognitivo do Cérebro Adolescente), um projeto de pesquisa que acompanhou mais de 6.500 jovens de 9 a 13 anos de idade, entre 2016 e 2018.
Fonte: Estadão
Foto: Divulgação/Web