Pandemia do coronavírus causa aumento no relato de pesadelos em meio a ansiedade, estresse e casos de depressão

Pandemia do coronavírus causa aumento no relato de pesadelos em meio a ansiedade, estresse e casos de depressão

Por Edmilson Pereira - em 3 anos atrás 785

Você está acordando mais vezes no meio da noite no meio de um sonho desagradável, ou mesmo de um pesadelo horrível? Segundo os especialistas em sono, a culpa é de uma combinação de mudanças no sono causadas pela pandemia, associadas a um ano de estresse.

“Meus pacientes me dizem que têm sonhos vívidos, lembram-se de detalhes, têm pesadelos”, conta Raj Dasgupta, especialista em sono e professor assistente de medicina clínica na Escola de Medicina Keck no Universidade do Sul da California.

A pandemia do novo coronavírus também tem aumentado no mundo todo casos de estresse, problemas psicológicos, pânico e até mesmo de depressão.

“É algo que vimos em outros eventos traumáticos que ocorrem ao redor do mundo e nos Estados Unidos”, disse Dasgupta. “Portanto, o fato de estarmos tendo mais pesadelos durante esta pandemia não me surpreende”.

O fenômeno começou há cerca de um ano, pouco depois do início dos lockdowns. Os trabalhadores da linha de frente foram duramente atingidos. Um estudo de junho de 2020 com 100 enfermeiros chineses relatou que 45% tiveram pesadelos, em associação com vários graus de ansiedade e depressão.

Os pesadelos continuaram com a extensão das quarentenas e lockdowns mundo afora, dizem os especialistas. Um motivo: aumento no número de notívagos, pessoas de hábitos noturnos.

Livres do deslocamento diário ou de uma agenda mais organizada, as pessoas começaram a adiar cada vez mais a ida para a cama com o avanço da pandemia, segundo Dasgupta. Consequentemente, elas dormem até mais tarde do que o normal, preparando o cenário para sonhos vibrantes, detalhados até mesmo assustadores.

Acordar mais tarde leva a pesadelos, portanto? Há uma razão para isso: dormir mais permite mais tempo para um estágio mais profundo do sono, chamado movimento rápido dos olhos, ou REM, quando o corpo consolida e armazena memórias e se restaura.

Um longo período de REM ocorre na parte final da noite, normalmente pouco antes de você acordar, como explica o psicólogo clínico e especialista em sono Michael Breus, autor de “Good Night: The Sleep Doctor’s 4-Week Program to Better Sleep and Better Health” (“Boa noite: O Programa de 4 Semanas do Médico do Sono para Melhor Sono e Melhor Saúde”, sem edição no Brasil).

Adicione a preocupação, a ansiedade e o estresse da pandemia, disse Breus, e eis a receita perfeita para pesadelos.

“Quando se tem mais REM durante períodos estressantes, tem-se também mais pesadelos REM. Estamos chamando esse fenômeno de ‘quaradreaming’ (um trocadilho com quarentena e sonho)”, disse Breus.

Sonhos traumáticos

Sonhos perturbadores em tempos de estresse geral não são novos. Pesadelos sempre foram uma questão fundamental para veteranos militares que sofrem de transtorno de stress pós-traumático, ou TSPT.

Estudos encontraram um aumento em sonhos relacionados a traumas após o 11 de setembro, e enfermeiros e outros trabalhadores da linha de frente relataram pesadelos intensos depois de cuidar de pessoas que morreram de Ebola durante o surto de 2014 a 2016 na Guiné, África Ocidental.

Quando o coronavírus apareceu, estudos começaram a documentar uma reação semelhante nos Estados Unidos, disse Rebecca Robbins, cientista do sono associada do Brigham and Women’s Hospital em Boston.

“Existem alguns exemplos fortes, com relatos de sonhos com enxames de gafanhotos, por exemplo”, contou Robbins, que também dá aulas na Harvard Medical School.

Há um ano, um questionário online aplicado por Deirdre Barrett, professora assistente de psicologia na Harvard Medical School que escreveu vários livros sobre sonhos, trouxe à tona vários pesadelos sobre insetos, Barrett disse à “Harvard Gazette” .

“Acabei de ver dezenas de todo tipo de inseto imaginável atacando as pessoas nos sonhos. Há exércitos de baratas correndo na direção de quem sonha; massas de vermes se contorcendo; alguns gafanhotos com presas de vampiro; vários tipos de percevejos” relatou a professora, acrescentando que sonhos perturbadores também continham outras metáforas para o coronavírus, como “tsunamis, tornados, furacões, terremotos, incêndios e tiroteios em massa nas ruas”.

Uma variedade de sonhos é focada diretamente no medo de pegar o vírus, como a pessoa se ver sendo desmascarada em público, onde outros tossem nela. À medida que as quarentenas continuam, os sonhos começaram a se focar mais no ficar preso.

“As pessoas que estão se abrigando sozinhas em casa sonham que foram trancadas na prisão; uma mulher sonhou que foi enviada a Marte sozinha para estabelecer a primeira colônia de uma pessoa no planeta”, relatou. “Houve uma mulher que estava ensinando o filho em casa e sonhou que alguém decidiu que toda a classe dele deveria vir morar com ela”.

Médicos e enfermeiros em unidades de terapia intensiva relataram pesadelos de trauma, o tipo que pode ocorrer em outras fases do sono além do REM, acrescentou a especialista.

“Eles estão tendo pesadelos completos, que costumam envolver cuidar de alguém que está morrendo de Covid-19 e tentar fazer algo como colocar um paciente em um respirador, ou religar o tubo que saiu de um respirador, ou ver que os respiradores não estão funcionando. Eles sentem a responsabilidade de salvar a vida dessa pessoa, mas não têm muito controle sobre isso, e a pessoa está morrendo de qualquer maneira”, disse Barrett. “É o pesadelo deles. É o pior momento de suas experiências diurnas”.

Infelizmente, os pesadelos persistem, já que o vírus continua matando milhões em todo o mundo, disse o doutor Dasgupta, especialista em sono de Boston. Além dos trabalhadores da linha de frente, muitas pessoas que foram hospitalizadas e sobreviveram ao vírus também estão tendo pesadelos.

“Sou médico de UTI”, contou. “Os pacientes não ficam no respirador por dias: estamos frequentemente falando de semanas a meses, tomando medicamentos, sozinhos. É assustador, então é claro que têm pesadelos de estresse pós-traumático”.

Como evitar pesadelos

uso de alguns medicamentos pode causar pesadelos

Foto: Peter Dazeley/GettyImages

A doutora Robbins aconselha que pessoas com pesadelos vívidos e assustadores que as assombram ou levam a sentimentos de desesperança e depressão procurem a ajuda de um profissional de saúde mental.

“Especialmente se eles forem muito perturbadores e persistirem, isso pode ser algo para falar com seu médico”, disse.

Aqueles que experimentam “quaradreams”, ou sonhos de quarentena, menos estressantes podem tentar algumas dessas dicas:

1- Diminua a temperatura do quarto. Se o seu corpo estiver muito quente, isso pode levar a mais sonhos perturbadores, disse a cientista do sono Robbins.

“Fizemos um experimento com cobertores térmicos”, contou. “Ao colocá-los sobre as pessoas durante o sono, descobrimos que os sonhos são mais assustadores, um pouco mais na categoria de pesadelo, e o sono é mais fragmentado”.

No entanto, se você está dormindo em um local frio e está tendo pesadelos, “pode ser algo para conversar com seu médico porque pode estar associado a sentimentos de depressão, ansiedade ou outros problemas de saúde mental”.

2-Verifique seus remédios. Remédios para pressão sanguínea chamados betabloqueadores podem afetar o modo como o cérebro lida com a norepinefrina, um neurotransmissor responsável por nossa resposta de “lutar ou fugir” ao estresse. Alguns antialérgicos, antidepressivos, soníferos, estatinas e outros remédios também estão associados a sonhos perturbadores. Beber álcool e usar barbitúricos (como calmantes) pode ter o mesmo efeito.

3-Busque um horário de sono mais regular. “Algumas pessoas, especialmente adolescentes, ficam acordadas até 1h ou 2h da manhã”, disse Dasgupta. Para ele, isso é um problema porque o ritmo circadiano, ou relógio biológico do corpo, controla todos os hormônios do corpo, temperatura, alimentação, digestão e ciclos de sono-vigília. Mexer nele pode ser prejudicial à saúde.

Estudos feitos com pessoas que trabalham em turnos, que ficam acordadas em horários incomuns e vivem fora de sincronia com seu ritmo biológico normal, mostram que elas têm maior risco de doenças cardíacas, úlceras, depressão, obesidade e certos tipos de câncer.

Outro estudo descobriu a alteração do seu tempo normal de sono-vigília em 90 minutos em qualquer direção (mais cedo ou mais tarde), algo que muitos de nós fazemos nos fins de semana, dobrava o risco de doenças cardiovasculares em um período de cinco anos. Quanto mais dias você dorme de forma irregular, maior o risco, segundo o estudo.

O melhor sono vem quando você tem um horário habitual para ir para a cama e se levantar, “mesmo nos fins de semana e feriados”.

Fonte: Paraíba Notícia e BBC News