LUTO:  Morre o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony

LUTO: Morre o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony

Por Edmilson Pereira - em 6 anos atrás 910

O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony morreu na noite de sexta-feira (05), aos 91 anos, por volta das 23h. A causa da morte não foi confirmada. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele deixa a viúva Beatriz Lajta e três filhos: Regina, Verônica e André. Cony estava internado no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio. Os familiares ainda não definiram a data e o local do velório e do enterro.

Cony foi o quinto ocupante da cadeira numero 3 da ABL, para a qual foi eleito em março de 2000, sucedendo Herberto Sales. Em sua carreira como escritor, ele recebeu diversas honrarias. Conquistou o Prêmio Jabuti em 1996 pelo romance “Quase memória”. Voltou a vencer o prêmio no ano seguinte, por “A casa do poeta trágico”, e em 2000, por “Romance sem palavras”. Também recebeu o Prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra em 1996. Em 1998, recebeu do governo francês a Ordre des Arts et des Lettres. Já como jornalista, iniciou a carreira em 1952, no “Jornal do Brasil” e passou por outras publicações importantes, como “Correio da Manhã” e “Manchete”. Atualmente Cony era colunista da “Folha de S. Paulo” e comentarista da rádio CBN.

PALAVRAS SECAS E CETICISMO IRÔNICO

“Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe”, diz a certa altura o protagonista do romance de estreia de Carlos Heitor Cony, “O ventre” (1958). Aos 32 anos, Cony resumiu nessa frase o ceticismo irônico que o acompanhou por toda a vida. Na juventude, estudou para ser padre, mas abandonou o seminário. Durante a ditadura, como jornalista, escreveu contra o autoritarismo, foi perseguido pelo regime, mas não se furtou a criticar dogmas de esquerda, e por isso foi acusado de alienado. Em seus romances, expressou com uma linguagem seca e por vezes sarcástica suas dúvidas e desencantos sobre a sociedade brasileira e a condição humana.

Nascido em 14 de março de 1926, em Lins de Vasconcelos, subúrbio carioca, Carlos Heitor Cony foi uma criança de poucas palavras. Filho do jornalista e funcionário público Ernesto Cony Filho e Julieta de Moraes Cony, tinha um problema de dicção que o impediu de frequentar a escola regular e aprendeu a ler e escrever com o pai. Aos 11 anos, depois da primeira comunhão na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia, em Mangaratiba, Cony começou a frequentar o Seminário de São José, no Rio Comprido. Dois anos depois, iniciou a carreira de seminarista.

A experiência no seminário o marcou para toda a vida. Em entrevista à revista “IstoÉ”, em 1993, afirmou que “a única coisa que eu realmente quis na vida foi ser padre”. O ceticismo, porém, o impediu. O São José foi a grande escola de formação intelectual do escritor. Lá estudou latim, português, grego, francês, italiano, música, matemática, filosofia, psicologia, ética e até cosmologia. Devorador de livros e crítico implacável, definiu assim o abandono da formação para o sacerdócio: “Comecei a duvidar de tudo. Comecei a preferir Santo Agostinho a São Tomás de Aquino. Foi um ponto de atrito, porque toda a filosofia dos seminários, hoje (na época), é tomista. Eu tinha muito mais interesse pessoal na figura de Santo Agostinho, com aquele passado devasso, do que na filosofia angélica. Eu não achava nenhuma graça nele”.

Um ano depois de largar o seminário, em 1946, Cony se inscreveu no curso de Letras Neolatinas da Faculdade Nacional de Filosofia, mas não chegou a concluí-lo. No mesmo ano, começou a colaborar para a imprensa, ajudando o pai no “Jornal do Brasil”. Em 1947, recebeu sua primeira carteira de jornalista como redator da Gazeta de Notícias. Mas sua carreira começaria para valer cinco anos depois, na Rádio Jornal do Brasil. Contudo, não acompanhou o colega Reynaldo Jardim na mudança para o jornal. Jardim, junto com Jânio de Freitas e Odylo Costa, filho foram as cabeças por trás da revolucionária reforma gráfica e editoral do diário, no final dos anos 1950.

Em seus textos, até 1964, Cony não abordava a política com frequência. Também por isso tentavam rotulá-lo de “alienado”. E o escritor provocava: certa vez, disse que largou no meio o filme “Vidas secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos, porque se sentia entendiado ante a visão de uma vaca. Contudo, foi uma das primeiras vozes a se levantar contra o regime militar, com a coluna intitulada “Da salvação da pátria”, em 2 de abril de 1964, apesar da posição de amplo apoio do “Correio da Manhã” ao golpe. Um de seus textos mais duros, “A revolução dos caranguejos”, rendeu ameaças anônimas contra suas filhas e uma operação policial na sua casa, em Copacabana. As crônicas do período foram reunidas no livro “O ato e o fato”, cuja primeira edição foi um sucesso de vendas e esgotou em poucas semanas.