Juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública concede limar à Unimed contra Lei Estadual que proíbe hospitais particulares recusar atendimento a pacientes com doença originária de epidemias, pandemias ou endemias

Por Edmilson Pereira - em 4 anos atrás 690

O juiz Gutemberg Cardoso Pereira, 3ª Vara de Fazenda Pública da Capital, acatou uma ação com pedido de tutela antecipada,  promovido pela Unimed JP, contra  Lei nº 11.686/2020 do Estado da Paraíba,  recentemente aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador João Azevedo (Cidadania),  proibindo os hospitais públicos e privados, conveniados ou não ao Sistema Único de Saúde, recusar atendimento de pacientes acometidos de doença originária de epidemias, pandemias ou endemias, enquanto durar a decretação de estado de calamidade pública decorrente da já citada doença

Na ação nº 0827914-28.2020.8.15.2001, a Unimed alega que se for obrigada a prestar atendimento e internar todo aquele que, mesmo não sendo segurado seu, chegue à sua porta com suspeita de Covid-19, fatalmente entrará em colapso em pouquíssimo tempo, até porque não possui mais leitos de internação disponíveis, conforme ofício enviado no dia 14/05/20 ao governador do Estado. Ressalta que não pretende requerer a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 11.686/2020, bem como não pretende eventual suspensão da eficácia do ato normativo de maneira geral. Informa que, na verdade, o que pretende é a obtenção de provimento jurisdicional que impeça o Estado da Paraíba (através de seus órgãos) de realizar atividade de fiscalização, autuação, coerção e sanção, com base na aplicação da Lei Estadual nº 11.686/2020.

Acrescenta a Unimed no Pedido de Tutela Antecipada, que a lei sancionada pelo governador estabeleceu, ainda, uma multa de 10.000 a 30.000 UFR-PB, por cada paciente recusado pelos hospitais, bem como que o único motivo aceitável, para se justificar a recusa, seria o estado de atingimento da taxa de 100% da capacidade de atendimento hospitalar (art.3º, §§ 1º e 2º).

A Lei sancionada pelo governador João Azevêdo estabelece no seu Art. 1º.  Fica proibida, aos hospitais públicos e privados, conveniados ou não ao Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado da Paraíba, a recusa de atendimento de pacientes acometidos de doença originária de epidemias, pandemias ou endemias, enquanto durar a decretação de estado de calamidade pública decorrente da já citada doença.

Parágrafo único. Fica proibida, concomitantemente, a recusa de atendimento nos estabelecimentos elencados no caput deste artigo para pacientes suspeitos com a doença originária de epidemias, pandemias ou endemias.

§1º Os gastos com o paciente encaminhado à rede privada serão remunerados de acordo com tabela de valor estabelecida pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba (SES-PB).

Para decidir favoravelmente a ação da Unimed JP, o juiz Gutemberg Pereira baseou-se no que estabelece a Constituição  Federal sobre os serviços e obrigações que regem os planos de saúde no pais.

A referida norma merece exame acurado quanto a sua legitimidade e legalidade em relação à Constituição Federal para aferição do pedido formulado nesta demanda.

Estabelece o art. 22, I da Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;

A referida Lei Estadual cria obrigações para o Planos de Saúde para com as pessoas que estranhas são ao seu quadro, e em detrimento do que são seus segurados, e com que tem deveres e responsabilidades pactuadas, em cumprimento a Lei nº 9.656/1998 e da Lei do Consumidor nº 8.078/1990, que são leis federais.

O consumidor de plano de saúde paga mensalidade ao longo da vida para quando   necessitar dispor de imediato e atendimento integral.

Nesse ponto mostra-se claro que a lei estadual se confronta diretamente com a leis federais acima mencionadas, porquanto os direitos e garantias dos usuários de plano de saúde são aviltados numa evidente quebra de contrato.

Aqui se verifica uma lei estadual revogando direitos assegurados por leis federais.  Constata-se assim, que o legislador estadual se apropriou de competência exclusiva da União, que é de legislar sobre direito civil.

Ainda no âmbito da competência vale ressaltar que:
Art. 21. Compete à União:
VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza  financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

Sobre esse tópico de que planos de saúde têm natureza assemelhada a política de seguros considerando-se o risco, o caráter aleatório e o componente atuarial, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou de forma reiterada, pela sua  inconstitucionalidade, senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE FIXA PRAZOS MÁXIMOS, SEGUNDO A FAIXA ETÁRIA DOS USUÁRIOS, PARA A AUTORIZAÇÃO DE EXAMES PELAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE.

1. Encontra-se caracterizado o direito de propositura. Os associados da requerente estão unidos pela comunhão de interesses em relação a um objeto específico (prestação do serviço de assistência suplementar à saúde na modalidade autogestão). Esse elemento caracteriza a unidade de propósito na representação associativa, afastando a excessiva generalidade que, segundo esta Corte, impediria o conhecimento da ação.

2. Por mais ampla que seja, a competência legislativa concorrente em matéria de defesa do consumidor (CF/88, art. 24, V e VIII) não autoriza os Estados-membros a editarem normas acerca de relações contratuais, uma vez que essa atribuição está inserida na competência da União Federal para legislar sobre direito civil (CF/88, art. 22, I). 3. Os arts. 22, VII e 21, VIII, da Constituição Federal atribuem à União competência para legislar sobre seguros e fiscalizar as operações relacionadas a essa matéria. Tais previsões alcançam os planos de saúde, tendo em vista a sua íntima afinidade com a lógica dos contratos de seguro,   notadamente por conta do componente atuarial. 4. Procedência do pedido. (ADI4701, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2014,  PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 22- 08-2014 PUBLIC 25-08-2014).

Aqui é a Corte Suprema que afastou a competência legislativa estadual sobre direito e plano de saúde.

Evidente a equiparação de planos de saúde e seguros, a competência legislativa é exclusiva da União; o que invalida a lei local que afasta direito de uso dos associados da UNIMED para terceiros estranhos aos contratos onerosos e celebrados em plena consonância com a legislação vigente.

No caso em discussão, a lei estadual desconstitui direito de assistência plena ao consumidor do plano de saúde em favor de terceiros desconhecidos ao quadro associativo. Enquanto a lei federal de direito do consumidor assegura-lhe atendimento integral, prioritário e de qualidade, a lei estadual sonega-lhe esses para favorecer estranhos ao plano de saúde.

A lei estadual ao criar obrigações com terceiros alheios ao plano de saúde extrapolou o direito privado da Instituição e de seus segurados.

Por fim, resulta que a Lei Estadual nº 11.686/2020 demonstra cuidar-se deintervenção na iniciativa privada, que é um dos fundamentos da nossa Constituição
Federal ( inciso I, do art. 1º) e violando o princípio da não intervenção na atividade  econômica (art. 170, I, CF).