AMOR x SUPERAÇÃO: Com 36 anos, 8 filhos, HIV e passado com drogas, Eunice realiza sonho de se casar

AMOR x SUPERAÇÃO: Com 36 anos, 8 filhos, HIV e passado com drogas, Eunice realiza sonho de se casar

Por Edmilson Pereira - em 4 anos atrás 1091

      Eunice e Edson

Quando a Organização Mundial da Saúde instituiu em 1987 o 1º de dezembro como o Dia Mundial de Combate à Aids, para destacar a importância da luta contra a epidemia pelo HIV, Eunice Sales da Silva tinha cerca de 3 anos de idade e não sonhava que um dia teria de enfrentar o vírus e seria voz contra o preconceito.

Hoje, aos 36 anos, não consegue dizer ao certo quando adquiriu a DST, isso porque ela iniciou sua vida sexual antes dos 12 anos, enquanto morava na rua. Aos 13, estava grávida de seu segundo filho –são oito no total, todos enviados para adoção.

Eunice foi levada para as ruas da região de Caieiras, na Grande São Paulo, pela mãe, alcoólatra, aos 9 anos. Com essa mesma idade, diz que começou a experimentar bebidas e foi morar com um homem de 21 anos a quem chama de “primeiro marido”, apresentado pela mãe.

“Eu engravidei dele aos 12 e quando tinha uns 13 engravidei de novo, ainda na dieta. Do Lucas e da Márcia. Mas depois eu fugi para São Paulo porque ele me espancava muito, eu vivia com a boca inchada, o olho inchado, ele me batia demais porque eu não queria ficar com ele, meu negócio era querer brincar na rua, essas coisas de criança”, relembra.

Já em São Paulo, ocupando uma chácara abandonada e com problemas com álcool e drogas, Eunice conheceu Reginaldo, homem com quem teve os outros seis filhos. “Minha casa era bem limpinha, mas quando nasceu minha filha, minha sogra chamou a viatura para mim. Ela disse que não queria que a neta vivesse daquele jeito e acionou o conselho tutelar. Depois disso, morando na cracolândia, eu tive mais dois filhos, só que eu não registrei e não sei o paradeiro”, lamenta.

Para sustentar os vícios, Eunice começou traficar drogas e por isso foi presa. Ao sair da cadeia, há um pouco mais de cinco anos, decidiu que não moraria mais na cracolândia e foi para a região da avenida Paulista. Foi lá que conheceu Edson Pessotto, que vai se tornar oficialmente seu marido nesta segunda-feira (02), em São Paulo.

Moradores de rua, Edson e Eunice se apaixonaram, mas ela continuava usando drogas. Logo em seguida, contraiu tuberculose. Edson, que já tentava dissuadir a amada do uso de entorpecentes, levou-na a um pronto-socorro. Após uma bateria de exames, o resultado: além da doença infecciosa, ela testou positivo para o HIV.

Desespero, vergonha, vontade de consumir ainda mais drogas e de se matar foram os sentimentos mais latentes em Eunice. Os ímpetos foram detidos pelo apoio integral de Edson e por sua vontade em mudar de rumo.

O casal descobriu também que era sorodiscordante, isto é, só Eunice tinha o vírus. Edson, desde então, faz exames regularmente, previne-se e acompanha a parceira em seu tratamento.

À época, o casal foi abordado por membros da Comunidade Santo Egídio, entre eles Alberto dos Santos, um arquiteto que ajuda moradores de rua oferecendo alimentos e principalmente atenção. Vendo o empenho da dupla em mudar de vida, a comunidade passou a acompanhá-la, inclusive com ajuda financeira para pagar o aluguel de uma casa em Campo Limpo, na Grande São Paulo, e na compra de móveis.

Há três anos longe das ruas e dos vícios, o casal cuida de um sítio na região de Embu das Artes e não precisa mais pagar a moradia. Depois de recuperada, Eunice conseguiu reencontrar a família, inclusive a mãe, que não bebe mais, a irmã e sobrinhos. Além disso, mantém contato com uma de suas filhas, hoje adolescente.

O sonho de encontrar os demais filhos permanece, mas outro de seus maiores desejos vai se realizar nesta segunda-feira (02): vai se vestir de noiva para dizer ‘sim’ ao amor de um marido companheiro e amoroso.

A cerimônia se tornará possível graças ao trabalho de conclusão de curso dos alunos de organização de eventos do Senac Lapa Tito, junto a uma ação da campanha Dezembro Sem Discriminação, cujo objetivo é alertar sobre o preconceito contra pessoas que vivem com HIV e que necessitam de ressocialização.

O ritmo de produção da celebração está acelerado, mas o grupo ainda está a procura de empresas do setor que possam auxiliar e apoiar o evento. Para ajudar, basta entrar em contato com [email protected] ou [email protected].

Alberto, que também é aluno do curso de eventos, almeja ver o casal prosperar: “Eles sempre nos ouvem e sempre estamos por perto para apoiá-los. Acreditamos que não exista grupo de risco, mas sim pessoas mais vulneráveis que precisam de maior atenção”, diz o arquiteto, que conta com a ajuda do esposo na empreitada.

Amparada e prestes a viver um dia repleto de alegria, Eunice define sua vida como “maravilhosa” e reconhece que o amor do futuro esposo foi fundamental na sua trajetória.

Fonte: Folha de São Paulo